Inspiração sim, rótulos não…

Dizem que coração de mãe sempre cabe mais um. Não podia ser diferente no Casa de Mãe. Assim, é com imensa gratidão que anuncio a colaboração da minha amiga Eliane Sobral*. Na sua estreia, ela fez um artigo necessário sobre a cobertura da mídia no processo de transição demográfica. Faz todo sentido trazê-lo para uma reflexão por aqui. O que ela avalia é que não se pode criar rótulos e empurrar padrões de comportamento goela abaixo dos bons velhinhos. E propõe uma pauta bastante extensa que precisa ser discutida para ser implementada, caso do tempo dos semáforos para travessia dos pedestres. Confere! 

“Alguma coisa estava me incomodando nas matérias sobre terceira idade – sobretudo as da televisão. Mas não conseguia identificar a razão do incômodo até assistir – uma parte – do Globo Repórter da sexta-feira, 12 de julho.

Percebi que o que me incomoda é que criou-se um rótulo, um parâmetro para quem já passou dos 60, 70, 80. Aliás, quando mais idade melhor.

Na sua inexplicável necessidade de rotular, a mídia agora nos mostra que o bom velhinho e a boa velhinha não são os ativos. São os superativos. Gente que, com mais de 70 anos, corre maratonas, disputa competições de natação, e esportes mil. Parei de assistir o referido programa sobre longevidade “saudável”, quando apresentaram um senhor de mais de 70 anos que resolveu ser funkeiro.

Longe de mim discutir a necessidade da atividade física para uma vida saudável. Apenas acho que essa prática vale para todas as idades e eu apreciaria muito se, em vez de me empurrarem um padrão de comportamento – mais um – a mídia se preocupasse em fazer campanhas educativas sobre essa necessidade. Assim como sobre a boa alimentação (para os que podem comer, claro).

Praticar algum esporte, fortalecer a musculatura, são ações tão importantes quanto ler um livro, fazer palavras cruzadas e/ou participar de cursos. Mas parece que quem está na categoria de exercitar o cérebro não é tão fashion, quanto idosos “descendo até o chão”.

Sinceramente não tenho nada, absolutamente nada contra quem encontra sua motivação em hobbies e competições. Só não gostaria que se criasse, novamente, um modelo a ser seguido.

Completei 55 anos de vida há duas semanas e, para mim, o modelo a ser seguido aquele que eu quiser desenvolver e não o que quiserem me impor. Passei boa parte da vida tentando me adequar a rótulos e agora não quero mais.

Faço, em média, uma hora e meia, duas horas de atividade física, pelo menos cinco vezes por semana. Pelo simples motivo de me sentir melhor ao final de cada treino e porque sei que, se não fizer, a conta chega, é alta, e eu não quero pagar.

Cheguei a esta conclusão observando, lendo e aprendendo e não vendo “exemplos” de uma velhice “feliz” na televisão.

Não quero deixar a impressão de que estou criticando as pessoas que gostam de competir ou que encontraram uma motivação distante das minhas. Não é isso. Só queria mesmo é que não se embarcasse nessa de que este ou aquele deve ser o parâmetro. Pode ser até que sirvam de exemplo para motivar os sedentários ou deprimidos. Duvido um pouco disso mas, vá lá. O problema, a meu ver, é que perde-se tempo e atenção tentando impor um modelo, quando seria mais produtivo, imagino, discutir e debater as necessidades de quem está na terceira idade. E elas não são poucas.

Vejo uma ou outra matéria, mostrando a necessidade de se adequar o tempo nos semáforos, por exemplo. Uma ou outra reportagem apresentando a danação que são as calçadas pelas quais todos nós temos que transitar diariamente. Quantos idosos caem nessas armadilhas todos os dias? Eu conheço uma porção de gente vítima desse descaso. E de todas as idades.

Enfim, com o envelhecimento da população mundial, e a nossa inclusive, discutir e debater a necessidade de adaptações, mudanças e melhorias, é mais do que bem-vinda. A pauta é bastante extensa. Melhor mesmo seria implementá-la, ao invés de inventar novos modelos a serem seguidos.”

*Eliane Sobral é jornalista e colabora com o Casa de Mãe.

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Um senhor mercado

O déficit da Previdência Social despertou no Brasil o debate sobre questões relacionadas ao envelhecimento. Mas essa é só a ponta do iceberg de uma parcela da população tida, muitas vezes, como fardo para a economia. “É preciso não só entender, mas viver o envelhecimento com naturalidade em toda sua diversidade”, diz Simone Jardim, embaixadora da Aging 2.0, organização global com sede em São Francisco, nos Estados Unidos, que promove o fortalecimento de startups focado em produtos e serviços inovadores para o público 50+, ao comentar que encarar a idade avançada demanda uma mudança cultural do próprio idoso.

Isso porque, amparado pela maior expectativa de vida, o número de brasileiros acima de 65 anos deve praticamente quadruplicar até 2060, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE. Assim, a população com essa faixa etária chegará a mais de 58 milhões ou quase 27% do total no período.

Um público que, segundo pesquisa do Data Popular, tem renda média até 40% maior sobre a renda média nacional. E que movimenta em torno de  R$ 1,58 trilhão, equivalente ao consumo de duas Holandas. “Mesmo assim, além da indústria da doença, não se vê praticamente nenhuma outra investindo em produtos específicos”, diz o empresário Nilton Molina, presidente do Instituto de Longevidade Mongeral Aegon.

Trata-se de uma entidade criada com objetivo de contribuir com ações na área do trabalho, de cidades e mobilização social para propor soluções em torno da questão da longevidade.  A partir do instituto surgiu o Movimento Real Idade, que reúne apoiadores de todos os segmentos da sociedade e do governo, em torno do tema, a fim de discutir a rápida mudança demográfica no Brasil e aprofundar a percepção das oportunidades e desafios provocados por esse processo.

Na avaliação de Molina, embora a indústria absorva o potencial econômico das pessoas idosas, é importante notar que o padrão de consumo é alterado à medida que se envelhece.  Em famílias onde há pelo menos 50% de idosos, despesas com saúde e cuidados pessoais e alimentação são maiores comparativamente com outras famílias. “Não creio que isso seja ignorado pelas empresas, mas o ponto é: elas buscam conhecer melhor o consumidor idoso e desenvolver produtos que atendam seus interesses e necessidades?”

O fato de 45% dos entrevistados ter indicado dificuldades para encontrar produtos adequados, segundo uma pesquisa do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), mostra que essa movimentação ainda é tímida.

Velho conhecido

O processo de envelhecimento da população é algo de conhecimento público, o que falta é passar à ação. “Quando empresas adotam posições que evidenciam sua preocupação e interesse na temática, como no caso do Instituto de Longevidade Mongeral Aegon, isso chama a atenção.”

E os desafios não são poucos. Passam pelo investimento necessário em entender as reais necessidades e desejos desse público até à forma de conceber e desenvolver produtos específicos, coisa que já acontece em países desenvolvidos. A França e a Alemanha têm políticas industriais específicas para estimular a chamada economia da longevidade.

A soma das atividades econômicas geradas pela compra de produtos e serviços pelos americanos acima de 50 anos e a movimentação subsequente motivada por esses gastos representava 46% do PIB dos Estados Unidos em 2012, e espera-se que esse número chegue a 52% em 2032. “Essa força não ocorreria sem a existência de um conhecimento maior sobre o segmento 50+, nem sem investimento em desenvolvimento de produtos especializados”, diz Molina.

Mudança cultural

Mesmo lentamente, uma rede de negócios inovadores com foco em produtos e serviços pensados para atender consumidores de idade mais avançada começa a evoluir no Brasil. A proposta é transformar as visões estereotipadas que a sociedade brasileira ainda tem sobre as pessoas mais maduras, como considerá-las “velhas” demais para trabalhar ou iniciar um negócio próprio, praticar esportes radicais ou voltar à sala de aula. É que pensa e pratica o empresário Thomas Case (na foto de divulgação que abre o texto), de pouco mais de 80 anos.

Após a venda da Catho, plataforma de vagas de empregos na internet, Case fundou em São Paulo, em 2009, a Pés Sem Dor. A empresa que produz palmilhas ortopédicas sob medida nasceu em consequência de um problema próprio. Praticante de atividade física sete dias por semana, as dores nos pés e nos joelhos o fizeram buscar soluções para manter a rotina esportiva e deram o pontapé inicial para uma empreitada hoje em franca expansão, com 15 pontos de vendas. “Eu poderia parar, mas minha missão na vida é trabalhar”, diz sorrindo.

Segundo Case, o sucesso se deve a dois fatores: investimentos na educação dos funcionários e em tecnologia. Todos os 50 colaboradores da Pés Sem Dor recebem bolsas para suas graduações, MBAs, cursos técnicos ou línguas estrangeiras. Com parceiros na Inglaterra, Alemanha e China, o empresário viaja com frequência à procura de novas tecnologias.

“O doutorado na Universidade de Michigan, nos EUA, me ajudou na recente parceria com a Vibmed, que desenvolve scanners 3D”,conta. Sediada na China, a Vibmed foi fundada por Wei Shi, que estudou na mesma universidade. Por meio da precisão de scanners impressoras 3D, o empreendedor que trabalha 12 horas diárias promete devolver o dinheiro aos clientes, caso as dores nos pés e nas pernas não sejam eliminadas.

Outro que propõe respostas positivas e inovadoras para a longevidade é o engenheiro Mario Solari, de 62 anos. Ele vem se dedicando ao projeto Idade Livre, uma startup voltada para o turismo na maturidade.  “O turismo é uma consequência da busca pelo bem estar”, afirma.

Empreendedor aguçado, ele cursou pós-graduação em Marketing Digital e Comércio Eletrônico, mantém os negócios em engenharia e ainda encontra tempo para praticar atividade física e se aventurar na venda direta de uma nova marca de nutracêuticos no Brasil, a Jeunesse. “Quem se considera idoso aos 60 vive em outra época”, diz empolgado com o primeiro roteiro de turismo de experiência que acaba de sair do forno. Um tour para degustação de puro malte escocês.

Texto originalmente publicado na Revista Gestão Empresarial.