Já não se morre de velhice

O fotógrafo suíço René Robert morreu aos 84 anos de hipotermia após desmaiar em uma rua de Paris e ficar sem ajuda por nove horas. Ele passou mal, caiu e foi ignorado pela multidão. Privado do direito a envelhecer no Brasil, o congolês Moise Mugenyi Kabagambe foi espancado brutalmente até a morte na frente de diversas pessoas sem que ninguém lhe prestasse socorro.

Cecília Meireles escreveu “já não se morre de velhice nem de acidente nem de doença, mas, Senhor, só de indiferença.”

Poderíamos aqui citar incontáveis atrocidades praticadas frente a uma sociedade indiferente. A indiferença é um sentimento associado à insensibilidade e à frieza. O indivíduo indiferente não se importa com o outro, com o sentimento alheio. Nada lhe importa.

É um comportamento que passa uma mensagem dolorosa: “dane-se o outro”. Esta apatia incompreensível causa angústia e temor. Passamos a elaborar razões para explicar a insensibilidade do outro, mas nem sempre conseguimos encontrar uma explicação boa o suficiente. E a indiferença está presente em várias atitudes do nosso dia a dia. Principalmente no trato com os mais velhos, os vulneráveis, os diferentes de nós.

No estudo “Indiferença: um estudo psicanalítico”, tese de mestrado do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, a autora Daniela Ferraz destaca a indiferença como modalidade de sofrimento de nossa época, apontando os caminhos pelos quais ela se apresenta na sociedade atual.

Ela defende que a indiferença é parte da nossa cultura. É uma atitude em relação a algo, uma possibilidade de desafetação frente ao sofrimento.

No campo político, o narcisismo generalizado, produto do neoliberalismo, é destacado como um dos responsáveis pela indiferença na sociedade atual, porque implica em uma lógica de exclusão da diferença.  Além disso, há a indiferença depressiva, situada no campo da análise clínica. Ela se relaciona ao fracasso do ideal de felicidade da sociedade atual, sendo combatida pelos indivíduos com remédios e terapias.

Considerando tais perspectivas do estudo, o desafio então é romper essa indiferença. Esse despertar consiste em não nos isolarmos e insistirmos por uma abertura à diversidade. Não podemos ignorar, – ser indiferentes à indiferença -, independentemente das causas que nos levam a agir deste modo.

Como seres humanos que convivem em sociedade, a interação, o sentir, o rir, chorar, conversar, se importar, sonhar, fracassar, cair, levantar e sacodir a poeira – como cantou brilhantemente a saudosa Elza Soares – fazem parte da jornada. O processo de bem envelhecer passa pela experiência completa. É isso que torna a vida emocionante. Ou ao menos deveria.

Pessoas não têm prazo de validade

Francisco Olavarría Ramos, autor do manual didático “El Micro Edadismo lo vamos jubiliar”, escreveu que o preconceito em relação à idade gera exclusão, baixa autoestima, problemas de saúde e abuso.

E por se tratar de discriminação cada vez mais evidente, que se soma a outras como crença, raça ou gênero, cabe a todos nós combatê-la.

Aliás, cada um de nós é uma vítima potencial da marginalização sentida à medida que os anos passam. O chamado idadismo ou etarismo, como preferem alguns, é uma construção social e está escancarado na mídia e nas nossas relações, inclusive de trabalho. Ainda hoje enfrentamos o envelhecer como um fardo e isso se estende para o ambiente corporativo.

Por isso, lidar com a aceitação dentro de nós mesmos pode ajudar nessa conscientização coletiva, desmantelando estereótipo de que o velho é feio, inútil ou ruim. Precisa ser um despertar geral da sociedade, pois é um preconceito que nos uniformiza e nos relega à indiferença pela invisibilidade. Até mesmo para os acadêmicos atuais é desafio acrescentar e lidar com a questão, assim como fizeram com racismo, sexismo, homofobia e aporofobia, entre outros.

Apesar de todo o esclarecimento ainda somos pegos alimentando o monstro do idadismo mesmo sem querer, por isso esse alerta para tomar cada vez mais cuidado para combatê-lo. O desafio é mudar a cultura resultante do envelhecimento como processo trágico e transformá-lo em algo natural.

Como provocar transformações?

Essa mudança de paradigma em direção a um envelhecimento autônomo, pleno, satisfatório e heterogêneo requer muito ativismo com pequenas medidas, como questionar o cânone da beleza tradicional associada aos jovens, apostar no currículo cego, promover programas para avaliar a experiência e talento sênior no mundo dos negócios, optar por notícias otimistas quando seus protagonistas são mais velhos ou incluir no código penal a idade como um fator agravante em crimes de ódio.

Combater o idadismo significa não só desafiar estereótipos, mas visões arraigadas que nos impedem de celebrar a diversidade e as diferenças que nos caracterizam como seres humanos. Combatendo a discriminação fomentamos novas formas de convívio social, incluindo as interações baseadas no respeito e na solidariedade entre gerações e, claro, de inclusão intergeracional.

No mercado de trabalho, por exemplo, isso requer de nós também a construção de uma carreira autogerida que acompanhe as tendências globais do mercado, com a flexibilidade necessária para mudar constantemente. Afinal, os 60+ de hoje estão apenas na metade da vida e terão um longo caminho a percorrer num mundo cada vez mais fluído. É tempo suficiente pra aprender, desaprender, contribuir, empreender, ou seja lá o que for.

Nesse contexto de alta mobilidade – de pessoas, das empresas e até da própria estrutura do conhecimento –, é importante pensar no conceito de aprendizagem contínua, o chamado lifelong learning. E as novas tecnologias, se acessíveis e mais amigáveis, podem ser importantes ferramentas para isso, nos ajudando na construção de uma versão revisada, ampliada e melhorada de nós mesmos. Afinal, pessoas não têm prazo de validade.

Este artigo foi originado a partir de uma reunião a convite da SAE Brasil entre Rachel Cardoso, jornalista e gerontologista, Flávio Padovan, especialista em gestão e sócio da MRD Consulting, e Eduardo Estellita, cofundador do Instituto Diversidade. Confira a íntegra dessa CONVERSA INSPIRADORAConfiança e apoio intergeracional – a base de um mundo conectado

Confronto com novos desafios ajuda a manter a saúde do cérebro

Durante os Jogos Olímpicos em Tóquio, no Japão, o caso da ginasta norte-americana, Simone Biles, que desistiu de competir por causa de um desiquilíbrio emocional causou polêmica e chamou atenção para o que já é considerada a próxima pandemia: os transtornos mentais. Há um certo preconceito quando o assunto são doenças neurodegenerativas e psicológicas, mas a saúde da mente é questão de política pública. Hoje, a maior parte das pessoas sofre de algum transtorno desse tipo. E, com o aumento da população idosa, o quadro de incidência de demências deve se agravar. A boa notícia é que dá para prevenir.

Dados de estudos epidemiológicos realizados em seis países da América Latina, incluindo o Brasil, demonstram os casos de demências atingem mais de 7% dos idosos. É uma taxa considerada alta por pesquisadores e especialistas. No entanto, segue tendência mundial; nos países europeus, fica entre 5% e 10%. O que chama a atenção é que o percentual cresce muito à medida que sobem as faixas de idade na velhice. Ou seja, o índice de demência, que é de 2,9% em pessoas de 65 a 69 anos, pula para 33% a partir dos 90 anos, quando um em cada três pode desenvolver doenças neurológicas.

Mas que medidas podemos tomar para proteger nosso cérebro já que se tratam de deficiências muitas vezes invisíveis?

Fatores de risco são diversos

Para se ter uma ideia, a Síndrome de Burnout atinge cerca de 32% dos trabalhadores brasileiros, o equivalente a 33 milhões de pessoas, segundo pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que analisou o impacto da pandemia e do isolamento social na saúde mental de profissionais essenciais. O que tem levado a outro problema que é o abuso de bebidas alcoólicas.

Outro dado alarmante vem da Organização Mundial da Saúde, que dá conta de mais de 11 milhões de pessoas no Brasil com depressão. Estima, ainda, que até 2030, essa será a doença mais comum no País.

Todos são fatores considerados de risco para a incidência de doenças como o Alzheimer. Estudos mostram que figuram com destaque – isolados ou combinados: a diabetes, a hipertensão e a obesidade na meia idade, o sedentarismo, a depressão, o tabagismo e o baixo nível educacional.  Vale aqui destacar que o Alzheimer é apenas um dos diversos tipos de demência. Há ainda a vascular, a de Parkinson, a senil, a frontotemporal, a de Pick, a com corpos de Lewy, e, por último, mas não menos grave, por álcool.

As freiras de Notre Dame

Então, é claro que tudo isso conta no prontuário de cada um, mas o melhor indício de como proteger nosso cérebro vem de uma pesquisa histórica, realizado por David Snowdon, professor de neurologia na Universidade de Kentucky. Conhecido como Estudos da Freiras de Notre Dame, foi realizado em 1986 com quase 700 irmãs que doaram seus corpos à Ciência.

O que fez este grupo de participantes da pesquisa tão especial foi a semelhança particular com a qual todas tinham levado suas vidas – nenhuma delas fumava, nenhuma bebeu excessivamente, nenhuma teve parceiros e todas tiveram uma rotina significativa. No mundo da ciência, para se ter tantos participantes com aproximadamente as mesmas variáveis de controle é uma verdadeira dádiva de Deus, e quase impossível de replicar.

A lição mais surpreendente do estudo é que as freiras que usaram seus cérebros várias vezes por dia para ler, escrever, pensar e analisar – eram menos prováveis a sucumbir à doença de Alzheimer. A conclusão que se tira é que as pessoas que se estimulam intelectualmente e buscam aprendizado constante terão uma melhor chance de afastar a demência.

Então, o que você está esperando para começar a exercitar sua mente?

Não pense que vai demorar para sentir os primeiros impactos. A partir dos 35 anos, nossa velocidade de processamento diminui, então algumas pessoas podem perceber já por volta dessa idade os primeiros sinais de esquecimento ou demora para se lembrar de alguma informação

É por isso que não se pode deixar a mente de fora da rotina de exercícios. Vale palavras cruzadas, sudoku, xadrez e outros jogos que provoquem o intelecto, incluindo o videogame. Mas se você já está habituado a alguma dessas atividades, busque outras.

Aquele friozinho na barriga

Preservamos o cérebro por mais tempo quando somos confrontados constantemente com novos desafios. Sabe aquele friozinho no estômago associado ao medo do novo, ao que é inerente a novas possibilidades? É disso que se trata!

Aprender sempre. Eis a melhor fórmula para reverter a perda cognitiva. Isso vai garantir agilidade na adaptação não só a essas alterações provocadas pelo envelhecimento, mas também pelas mudanças de um planeta em constante transformação. Afinal, todos os dias somos atropelados pelas notícias sobre o futuro na era da revolução tecnológica e, por isso mesmo, é melhor que a nossa mente esteja apta e bem aberta para enfrentar esse novo mundo.

É questão de sobrevivência, mas é também questão de sanidade mental.

Leia também: Depressão é a principal causa de suicídio entre idosos

 

 

Negar a sexualidade da pessoa idosa é privá-la de direitos

O Dia dos Namorados, 12 de junho no Brasil, é uma data comemorativa para celebrar a união amorosa entre casais. Junho também é o mês do Orgulho LGBTQIA+, uma sopa de letrinhas criada para ilustrar todas as nuances da diversidade. As iniciais, que se limitavam ao LGBT até pouco tempo atrás, ganharam novas siglas para dar mais visibilidade às diferenças. Contemplam assim novas identidades de gênero e orientação sexual.  Pode parecer pouco, mas é um passo importante para quem saiu do armário, como se diz, ou ainda sofre para se assumir. E, por isso, um possível retrocesso no  envelhecimento também precisa ser combatido.

A sexualidade faz parte da existência humana, em qualquer etapa da vida. Mas por que na velhice ela é tradicionalmente negligenciada pela medicina, assim como pouco conhecida e entendida pela sociedade?

A realização sexual e os encontros amorosos são frutos da história e das experiências de cada indivíduo e isso não depende da idade. O etarismo é uma pauta que precisa ser incluída na agenda da diversidade. Isso envolve criar estratégias de comunicação para derrubar barreiras culturais e promover educação para prevenção da saúde sexual dos maduros. E é disso que trata meu projeto de intervenção desenvolvido para conclusão do curso de Gerontologia.

Abordagem no atendimento primário é essencial

Proponho a criação de protocolo para formulação de boas práticas no diálogo entre profissionais de saúde e o paciente idoso sobre saúde sexual na Atenção Primária em Saúde. E o uso do marketing social para despertar a atenção da sociedade em geral sobre a necessidade de abordagem mais humanizada sobre todas as concepções de sexualidade junto a população idosa.

Tive contato com dois moradores de ILPIs (Instituição de Longa Permanência para Idosos) que me fizeram, inclusive, escolher a temática da sexualidade para meu projeto de conclusão de especialização em Gerontologia. Um deles, o João*, quase 70, passou a esconder que era gay desde que se mudou para o novo lar por constrangimento e receio de sofrer preconceito dos demais.

Em outra ILPI, a Maria*, na casa dos 90 anos, ainda com a libido tinindo, tinha machucados nas genitálias pela masturbação frequente com objetos como a própria bengala. Os cuidadores, além de demorar para identificar a ocorrência, estavam completamente despreparados para lidar com a situação.

É evidente que apesar de todo avanço sobre o tema do envelhecimento, ainda há um imenso tabu e despreparo entre os profissionais de saúde sobre as vivências sexuais em idosos, mesmo que não seja apenas pelo ato sexual em si. Torna-se, assim, cada vez mais urgente reconhecer a universalidade do sexo, da sexualidade, e compreender seus impactos na satisfação pessoal, bem-estar e, sobretudo, na qualidade de vida para promoção da saúde no envelhecimento.

Mudança de comportamento previne ISTs entre maduros

Doenças potencialmente preveníveis com mudança de comportamento, caso das Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), se proliferam entre a população idosa no Brasil e no mundo. Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde indica um aumento de mais de 100% no número de idosos com vírus da imunodeficiência humana (HIV /Aids) na última década. Tradicionalmente, os idosos já estão mais expostos a infecções por causa da imunidade celular menor, mas chama atenção o crescimento superior a 600% na incidência de HIV/Aids entre mulheres.

É um cenário que tem se agravado por diversos fatores, que passam pelo advento de medicamentos para disfunção erétil e a popularização da reposição hormonal, até a maior participação em grupos de convivência. Tudo contribui com uma epidemia que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) pode acometer 70% da população mundial desta faixa etária se continuar nesse ritmo.

Desconstrução de estereótipos negativos

Acredito que somente tornando o tema popular, provocando discussões e formulando estratégias de longo prazo, conseguiremos descontruir os estereótipos negativos que impedem a sociedade de conhecer e entender que a questão do contato físico vai além da esfera da genitália, que não se trata de “pouca vergonha” nem de “safadeza”, mas de aspectos inerentes aos seres humanos. Entende-se, pois, que a falta de conhecimento perpetua tais tabus.

Negar a sexualidade das pessoas idosas é privá-las de direitos porque a velhice é uma idade tão frutífera como qualquer outra no que se refere à questão da prática do sexo e à vivência do amor. Ambos são elementos de valor fundamental na complexidade social.  Feliz Dia do Amor Livre!

*Os nomes foram trocados.

Cuidar é importante, mas que o cuidado não vire castigo

Tenho sido atropelada pelo trabalho e ainda tenho de me sentir agradecida por ter uma fonte de receita, por ter um teto e a geladeira cheia, enquanto um número cada vez maior de pessoas caminha ao relento sem ter o que comer. Tenho sido engolida pela dor de aceitar passivamente a morte de pessoas queridas porque “Deus quis assim” ou porquê seja lá onde for elas estarão melhores, “nos braços de Deus”. Essa impotência se transformou em raiva. Uma raiva que aperta o peito e não sei bem administrar. Acredito que seja semelhante ao que sente o idoso quando sua vida é restringida.

É uma avalanche de sentimentos que responderá pela próxima pandemia: as doenças mentais. E a gente sabe que o envelhecimento é a fase em que estes tipos de transtornos são mais recorrentes, principalmente as demências, distúrbios de humor e ansiedade. E os estados confusionais, diga-se de passagem, são os que mais estão ligados às taxas de mortalidade, segundo relatos científicos. Já há também diversas pesquisas indicando que a maioria dos terapeutas ainda não receba treinamento especializado em tratamentos geriátricos.

Diante de tanta dificuldade em lidar com a saúde mental, cada um tem um jeito diferente de encarar os problemas, mas confesso que quando me convidaram para participar de uma roda de conversa que trata do futuro da longevidade no pós pandemia eu só consegui pensar, mas que “catso” de futuro? Estaremos todos loucos de pedra em breve! O que posso dizer se não vejo nada positivo no horizonte?

É tanto absurdo das autoridades que deveriam nos proteger, tanto conteúdo sem sentido de gente inescrupulosa, tanta laive sem noção, tanto influencer sem ética. A gente perde o rumo! E acho que é natural. Não seria normal estar agora postando foto de viagens paradisíacas e fartos pratos de comida como se o mundo estivesse na mais perfeita ordem.

Mas a cutucada serviu para me tirar da zona de conforto e foi pesquisando para levar algo plausível nessa bate-papo que engravidei dessas ideias. Minha cabeça, como disse Nietzsche para Breuer em “Quando Nietszche chorou”, está grávida de pensamentos. As enxaquecas são as dores de parto desse processo. Ou mais roqueiramente falando, como cantou Titãs na canção “AaUu”, estou ficando louco de tanto pensar; estou ficando surdo de tanto escutar; estou ficando cego de tanto enxergar…

Mas ainda não estou rouca. E preciso gritar!

Eu percebi que o cativeiro que agora experimentamos diante de uma crise da Saúde intensificada por um governo que não poupa esforços para destruir o povo, é velho conhecido de boa parte da população idosa. É uma parcela que enfrenta tais agruras independentemente do isolamento imposto pela Covid. E vai piorar quando se pensa em saúde mental. Há muito ser humano preso no próprio corpo, incapaz de exercer atividades diárias, e que precisa abrir mão de toda uma história de vida para manter-se vivo por mais algum tempo.

O quanto você estaria disposto a abrir mão de pequenas coisas que te dão prazer para viver um pouco mais? Qual seria sua escolha? No fim da sua existência, abriria mão do seu colchão, das suas lembranças, do refrigerante, de um baseado ou de um torresminho, só para prolongar um pouco mais a estada nesse planeta sem futuro?

Do ponto de vista do cuidador, proibir ou ceder?

Até onde podemos ir para proporcionar um pouco de conforto e felicidade a quem não tem muito mais pela frente? Não existe uma resposta e são muitas as perguntas quando estamos aprendendo a lidar com o envelhecimento. E a enxaqueca só faz aumentar…

Leia também: Cuidar do idoso pode se tornar carga pesada demais

Eu sempre fui rígida, principalmente com os meus pais, dessas que segue à risca a recomendação de cortar o sal, o açúcar e outras guloseimas. Mas com a pandemia os limites mudaram e a vida já ficou sonsa demais para não desfrutar de certos prazeres, como uma taça de um bom vinho, um livro, uma corrida, um raio de sol no rosto sem máscara. Percebi, então, que talvez o viver mais dependa dessas lufadas de vento na cara. E que nada muda no meu sentir com o passar dos anos.

Agora quando me perguntam qual o futuro da longevidade eu só sei dizer que não há regras. Ganhamos tempo de vida, mas não qualidade necessariamente. Talvez a coisa mais importante para o envelhecer bem seja a liberdade de decidir a própria vida.

Cuidar é importante, mas que o cuidado não se transforme num castigo.

Leia também: O valor econômico do inestimável 

 

 

O direito de ir e vir sob a ótica da Gerontologia

Envelhecer reduz de forma incontestável nossas capacidades físicas e funções fisiológicas.  E por óbvio que pareça, as pessoas com outras deficiências, agregam a isto, o fato de envelhecer, com tudo o que isto implica. Portanto, ser um idoso ativo, independente e autônomo, é um privilégio nem sempre ao alcance de todos. Assim, o enfrentamento da transição demográfica, pela qual o Brasil atravessa, precisa necessariamente passar pelo debate ao direito de ir e vir.

Segundo o último Censo Demográfico, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população idosa já é o grupo que mais cresce no Brasil, cerca de 4% ao ano. As projeções populacionais apontam que, em 2031, o número de idosos do país (43,2 milhões) vai superar pela primeira vez o número de crianças e adolescentes, de 0 a 14 anos (42,3 milhões). E, ainda de acordo com o IBGE, mais de 60% dos idosos brasileiros apontaram ter algum tipo de deficiência. Ou seja, uma parcela que não pode ser ignorada.

E, como a perda de algumas funcionalidades é comum no processo de envelhecimento, o Estatuto do Idoso considera que esse grupo da população deve ter preferência na destinação de políticas públicas e recursos para garantia de seus direitos. Além disso, a população idosa é considerada especialmente vulnerável pela Lei Brasileira de Inclusão.

Questões interseccionais

Não à toa, políticas e serviços que oferecem recursos de acessibilidade às pessoas com deficiência também atendem algumas das demandas dos idosos, uma vez que contribuem com o acesso à informação e com a inclusão social deste grupo.

Trazer esse tema para reflexão sob o olhar da Gerontologia não ocorre por acaso. Não tem muito tempo um artigo publicado pela Folha de São Paulo previa a morte do mercado de carros para Pessoas com Deficiência (PCD), no País.

Um carro automático não é luxo quando pode prevenir Lesões por Esforço Repetitivo (LER), por exemplo. São alternativas de prevenção ao agravamento de doenças que podem levar a limitações e até tirar a mobilidade, alterando a qualidade de vida. E aqui não cabe julgamento moral. Não se pode determinar se uma deficiência é maior ou menor e o quanto vai se agravar com o passar do tempo.

Mas é fato que a questão do carro é apenas um dos vieses do problema. Vide o outro lado: a dificuldade de um pedestre idoso que não consegue atravessar a rua no semáforo pelo tempo insuficiente. No sistema de transporte coletivo, então, nem se fala. Os 60+ conseguiram o passe livre, mas muitos não dão conta de subir no ônibus; aprenderam a usar a internet, mas a acessibilidade digital ainda é discurso para inglês ver, como se diz.

“Para falar do direito de ir e vir é preciso, primeiramente, dar acesso à informação”, diz a consultora Mara Ligia Kiefer, líder de Projetos de Inclusão da Somar Diversidade. “A indústria hoje, de modo geral, produz para uma sociedade estereotipada dentro de um padrão de normalidade homogêneo.”

Ao não levar em conta a diversidade da população real, o mercado e o Estado excluem pessoas de baixa estatura, de estatura elevada, gestantes, obesas, muito magras, com deficiência motora, auditiva e visual. Essas três últimas, por exemplo, são funcionalidades que são seriamente comprometidas com a senescência.

Não se trata aqui de criar um mercado para idoso, como muito se fala, mas de tirar do papel o conceito de desenho universal, projeto de produtos, serviços e ambientes que possam ser usados por todos.  Isso sim garantiria que todos fossem contemplados dentro de suas singularidades e incluídos na sociedade.

Rachel Cardoso é jornalista e gerontóloga

Efeitos colaterais, do modo off, em 2021

A avalanche de dados e informações que nos soterram todos os dias tem tornado mais frequente a necessidade de pausas. A tecnologia nos deu mais tempo, inclusive de existência, mas será que esse tempo a mais tem sido aproveitado para melhorar nossa qualidade de vida? É notável ao redor, que as pessoas estão sendo cada vez mais vítimas de crises de ansiedade e de uma busca infinita por produtividade. Óbvio que não existe qualidade de vida sem dinheiro, mas será que não dá mesmo para viver com menos?

Neste 2021 que começa todo torto me obriguei – pelos limites do próprio corpo – a me desconectar e entendi que nada foi aprendido ou compreendido com a pausa imposta pela tal da pandemia. O mesmo pode ocorrer com o envelhecimento.

Tem gente que não aprende nada. E não adianta querer ser reflexo do que se vê desse movimento todo que aflora na internet. Garotos-propaganda existem desde que o mundo é mundo. Só ganharam um nome pomposo agora: influencers. Isso não muda nada. Mais do que ser reflexo é preciso reflexão. E isso requer pausa.

Por isso, minha promessa de ano novo é gastar meu tempo mais devagar. Menos rede social e mais social na rede. De balanço. De preferência com um bom livro desses que não seja de autoajuda, mas que tanto me ajudaram nos meus dias off, como as batalhas quixotescas; a distopia da República de Gilead, o realismo fantástico de Macondo.

Foi nessa cadência de pensamento que veio à mente dois casos reais, de conhecidos, que devem se tornar objetos de estudos, e que me inspiraram a trazer à tona algo que pouco vejo. Não que não admire a revolução prateada e todo o ativismo que a longevidade e os maduros promovem principalmente online por conta da pandemia.

Mas é preciso banir estereótipos e ter em mente que nem todo velhinho é legal. Nem sempre a velhice será uma coisa bacana, bela e produtiva. Trata-se aqui de entender que é um processo construtivo.

Que em 2021 todo ativista do envelhecimento se lembre também das famílias que se desestruturam e precisam de apoio diante de idosos que perpetuam o mal que carregam dentro de si. Não é porque a idade chega que a pessoa de repente fica boa.

Não acredito em redenção só pelo correr dos anos.

E quando é a família a agredida? Apesar de ser muito gratificante oferecer cuidados, essa entrega também tem efeitos negativos. Que ações podem amenizar o estresse e consequente problemas de saúde, isolamento, cansaço e frustração que levam a uma sensação de desesperança e exaustação, impelindo ao desgaste de quem cuida e chegando até aos maus tratos da pessoa idosa?

Então, a longevidade é um processo que requer cuidado desde sempre?  Exato. E a gente que se cuide para não se tornar um daqueles velhos gagás e ranzinzas, e não transformar a vida da família num inferno. Basta parar de olhar um pouco para fora e para os outros e olhar para dentro de si para perceber que nem cem anos podem mudar certas coisas.

Eu andei meio perdida, confesso, com tanta tarefa, sem saber quais eram minhas prioridades, mas de uma coisa eu tive certeza durante meu modo off. Eu não quero ser uma velha desqualificada em prol do domínio da velocidade e das redes sociais. Nem tampouco apegada a quinquilharias sem valor. O desapego começa agora.

Outra coisa. Gente ruim existe. Jovem ou velha. E gente imbecil e fútil também. A internet está aí de prova, escancarou essa ferida, e não me deixa mentir.

 

 

 

 

O mundo envelhece. Precisamos rejuvenescer conceitos.

É preciso reformular a noção de velhice associada à decrepitude, para uma fase de novas conquistas, desenvolvimento cognitivo, produção social e cultural

Mara Lúcia Madureira*

A humanidade está envelhecendo. O número de pessoas com 60 anos, ou mais, é crescente no mundo todo. No Brasil, o estigma sobre o envelhecimento, ainda, existe e reflete uma noção equivocada, associada a incapacidades física e cognitiva, improdutividade, doenças, ausência de papéis sociais e interesse sexual, solidão e dependência.

O conceito de velhice é um constructo social, temporal e contraditório. Nas sociedades ocidentais, a supervalorização do novo, produtivo e independente, em detrimento do velho, ultrapassado e fora de moda, é parte das estratégias de consumo. A mesma cultura que preconiza a longevidade e tecnologias para prevenir doenças, nega, ao idoso, seu real valor. O paradoxo é viver mais, sem envelhecer ou parecer velho.

Os estereótipos da velhice são piores do que a realidade. O preconceito é reforçado pelos próprios idosos que não se reconhecem ou se admitem velhos. Envelhecer é uma experiência exclusiva. O modo de vida implica, positiva ou negativamente, na velhice.

O uso de expressões como “melhor idade” e “terceira idade”, mascara o preconceito e nega a realidade. Envelhecer é aceitar-se e orgulhar-se dos muitos anos vividos, das conquistas e realizações.

A velhice pode e deve ser agradável e desejável.

A maioria dos idosos é saudável e independente. Doenças crônicas, na velhice, iniciam e se desenvolvem bem antes dessa fase. Alterações hormonais e mudanças no organismo são comuns, mas não significam perda do interesse ou impossibilidade de uma vida sexual ativa e gratificante.

Problemas de memória podem ser evitados com práticas contínuas de leitura, atividades intelectuais e novos aprendizados. Os vínculos de amizade são fundamentais na velhice. Um bom planejamento financeiro, na juventude, representa uma aposentadoria confortável. A saúde e o bem-estar, na velhice, dependem do modo como se vive e se administra as fases anteriores.

Envelhecer é um processo complexo de realidades próprias, não generalizáveis. Envolve aspectos biológicos, cronológicos, psicológicos, sociais e culturais. Não significa limitação ou incapacidade. Doença não é normal. Pessoas idosas saudáveis são funcionais e produtivas. O declínio cognitivo não se deve à velhice, mas, ao desuso, a doenças como depressão, abuso de álcool, medicamentos e outras drogas, à solidão e ao isolamento. Envelhecer contempla os anos vividos, a história pessoal, as condições físicas e psicossociais. Marcadores cronológicos e biológicos são relativos e subjetivos. Não há perdas na velhice, mas transformações, aquisição de saberes, evolução.

É preciso reformular a noção de velhice associada à decrepitude, para uma fase de novas conquistas, desenvolvimento cognitivo, produção social e cultural. A sociedade deve respeito e valorização ao idoso. Experiências e conhecimentos acumulados podem beneficiar aos próprios indivíduos e à sociedade. Não importa a idade, mas o que o indivíduo faz com sua existência e o como a sociedade o trata. A velhice deve ser reconhecida pelos ganhos e transformações.

*Mara Lúcia Madureira é psicóloga cognitivo-comportamental e colabora com o Casa de Mãe.

O valor econômico do inestimável

É fundamental reconhecer o trabalho de quem cuida do idoso e encontrar novas maneiras de apoiá-lo.  É o que faz a Techstar Future of Longevity Accelerator, aceleradora de negócios da longevidade, financiada por Melinda Gates

Antes de a pandemia colocar em xeque o cuidado com os idosos milhões de pessoas cuidavam de seus parentes, a maioria sem apoio adequado. Ciente disso, Melinda Gates firmou parceria – por meio da Pivotal Ventures, empresa de investimentos criada em 2015 para incentivar negócios de impacto social voltados para mulheres e famílias nos Estados Unidos -, com a Techstars, rede mundial de fomento ao empreendedorismo, para criar uma aceleradora de projetos da longevidade.

Batizada Techstar Future of Longevity Accelerator, a iniciativa nasceu com o propósito de ajudar a encontrar soluções inovadoras para os americanos mais velhos e as pessoas que os amam e cuidam deles.  Um cenário que envolve 40 milhões de cuidadores familiares. Por lá, uma em cada três mulheres baby boomers cuida de um pai ou mãe idoso.

No Brasil, os desafios não são diferentes e se tornam cada vez mais urgentes.  Aqui como lá não é novidade que cuidar ainda é uma tarefa feminina. E são majoritamente mulheres aquelas que param a vida para viver a de um outro, simplesmente por questões culturais. De modo geral, o familismo impõe a uma única mulher a responsabilidade e o peso de retribuir os cuidados recebidos na infância. Como bem descreve Júlia Rocha, médica de família, trata-se de um processo violento e doloroso.

Pesquisa da Academia Nacional de Ciências, Engenharia e Medicina dos EUA mostra que 63% dos cuidadores morrem até quatro anos antes do que as pessoas que eles estão cuidando. Isso porque o esforço e tempo demandado são tão intensos que os cuidadores costumam descuidar de si próprios, abandonam emprego e o lazer e acabam desenvolvendo insônia, depressão e ansiedade, entre outras doenças.  “É preciso enxergar o caráter sistêmico destas condições e agir em busca de soluções sistêmicas”, escreve em seu blog Por Um Mundo Melhor.

Nesse sentido, o primeiro passo é reconhecer o trabalho de quem cuida do idoso e apoiá-lo. E foi isso que Melinda Gates fez ao lançar seu programa para acelerar projetos inovadores de ferramentas e serviços, que ajudem a melhorar esse ecossistema criado pelo envelhecimento da população. A  iniciativa está sob a tutela de Jason Towns, diretor da Techstar Future of Longevity Accelerator, que concedeu a seguinte entrevista para o Evoke:

Para quem não está familiarizado, pode definir o que o ecossistema de atendimento ao idoso envolve?

É difícil porque abrange uma ampla gama de serviços e soluções, mas de modo geral, o termo envolve todo tipo de cuidado para idosos que não podem mais viver com segurança de forma independente, muitas vezes devido a problemas de saúde ou mobilidade.  Esses cuidados podem ser em casa ou administrados por cuidadores empregados ou por comunidades de idosos. Cuidadores formais são funcionários pagos, enquanto cuidadores informais (muitas vezes esquecidos nessas conversas) costumam ser da família.

Existe alguma conexão pessoal com esse ecossistema?

Sim, quase sempre existe quando nos damos conta do processo de senescência. No meu caso, participar dos cuidados de meu avô durante seus últimos anos foi um dos componentes mais impactantes da minha infância. Vovô foi um dos meus heróis, e agora ter a oportunidade de acelerar a inovação que tem o potencial de melhorar a vida de adultos mais velhos e cuidadores é emocionante para mim. Passei a maior para da minha carreira identificando oportunidades negligenciadas em mercados carentes e este trabalho se encaixa perfeitamente nessa intersecção.

Como a pandemia mudou as necessidades não atendidas dos indivíduos que prestam e recebem cuidados de idosos?

A crise sanitária só exacerbou muito os desafios que já afetam os idosos, mas a maioria das empresas selecionada para receber apoio nesta primeira rodada está abordando o problema de frente.  Para se ter uma ideia, antes da pandemia, quase 45% dos adultos mais velhos relataram se sentir solitários.  Os impactos na saúde do isolamento social rivalizam com o fumo, a obesidade e a inatividade física. A startup Naborforce, uma das 10 selecionadas, tem combatido esse problema de isolamento social e solidão, fornecendo uma plataforma para conectar adultos mais velhos a seus “filhos” na comunidade, que são pessoas cadastradas que ganham para dar suporte sob demanda para recados, transporte e ajuda em casa.

Há alguma semelhança entre os fundadores das empresas que escolheu financiar?

A condução do processo de seleção até o início da pandemia forneceu uma visão sobre a determinação de cada equipe, o nível de comprometimento e a capacidade de responder às mudanças do mercado em tempo real. Esses foram dados comuns, inesperados, mas valiosos. Cada fundador tem uma visão única de como eles precisam acomodar o impacto da crise sanitária e como sua solução se encaixa no “novo normal”.

Conheça algumas das startups selecionadas:

#Braze Mobility

Desenvolveu o primeiro sistema de sensor de ponto cego do mundo que pode ser conectado a qualquer cadeira de rodas motorizada, transformando-a em uma cadeira de rodas “inteligente”. Com a Braze Mobility, os usuários podem identificar obstáculos com mais facilidade, ajudando a reduzir os riscos de lesões e danos à cadeira de rodas e ajudando os usuários a manter sua dignidade e independência.

# MemoryWell 

É uma plataforma digital que usa a narração de histórias para melhorar o atendimento aos idosos. Por meio de uma rede de escritores profissionais, a startup trabalha com famílias, comunidades de idosos e provedores baseados em casa e na comunidade, para substituir formulários e questionários de atendimento por meio de memórias do paciente.

#Rezilient Health 

Uma plataforma de telessaúde robótica que permite que os médicos não apenas forneçam visitas de vídeo padrão, mas também controlem remotamente o posicionamento de dispositivos médicos que estão localizados com o paciente em outro consultório médico, farmácia ou lar de idosos, entre outros locais.

#Rubitection 

Desenvolve um sistema de saúde e bem-estar da pele para melhorar a detecção, avaliação e gerenciamento de cuidados de condições vasculares e dermatológicas, como feridas e úlceras nos pés para idosos em casa, em lares de idosos ou em hospitais.

#Authored 

Cria roupas cuidadosamente projetadas com aberturas discretas que se adaptam às necessidades e limitações do corpo.  As peças promovem e prolongam a independência, permitem roupas mais seguras e reduzem o estigma e as lesões.

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Envelhecer é uma conquista

No Dia Internacional do Idoso, é preciso ressaltar necessidade de políticas públicas e celebrar a longevidade

Por Marília Viana Berzins*

Há grandes avanços nas políticas públicas de proteção social ao idoso no Brasil. Tais avanços foram definidos na Constituição de 1988, que ofereceu aos cidadãos regras e princípios até então distantes da maioria absoluta da população.

São exemplos destas conquistas, aquelas que estão referidas nas políticas de seguridade social, ou seja, previdência, assistência social e saúde. São políticas estruturantes na defesa das condições de vida de quem mais precisa da presença e proteção do Estado. Entretanto, devido às questões de desigualdade social e econômica predominante no cenário nacional, nem todos os brasileiros são contemplados nas suas necessidades integrais e muitos ainda vivem na precariedade e exclusão social.

O Brasil, através dos seus municípios, tem um marco legal bem avançado para atender e proteger a população idosa, mas na prática, age como se fosse ainda um país jovem. É um país que ainda não se comprometeu com a demanda deste segmento etário.

Eis aí um desafio. O país precisa se preparar hoje para responder as necessidades da população idosa que já é presente, como também se preparar adequadamente para receber a que está envelhecendo e que terá um impacto muito grande na vida social, sobretudo na política de cuidados de média, curta e longa duração.

O Sistema de Garantia de Direitos, composto pelo conjunto de políticas públicas e sociais, incluindo, por exemplo, o SUS – Sistema Único de Saúde; e o SUAS – Sistema Único de Assistência Social é o instrumento do Estado para garantir direitos. Só que vivemos num Estado de desproteção social na medida em que o Estado brasileiro não garante aos cidadãos idosos o acesso gratuito e universal às políticas já consolidadas no sistema, que deveriam proteger os cidadãos mais vulneráveis. Ou seja, as proteções sociais não estão dando conta de atender a população idosa. Preocupa-nos transformar a conquista da longevidade em problema social, como tem sido evidenciado no discurso de economistas e gestores públicos.

Temos muitos desafios a serem vencidos quando pensamos em políticas públicas e sociais para a população que envelhece. O modelo público de política pública ainda se fundamenta no familismo.

Tais práticas se expressam principalmente na política de assistência social e se caracteriza na família como pilar central, como foco principal da ação, tomando-a como espaço privilegiado de proteção dos seus membros, independente do seu modelo. Ao Estado, cabe intervir somente quando a família falha.

Além de dar a família o principal papel de cuidar da pessoa idosa, o modelo familista reforça a desigualdade de gênero, à medida que sobrecarrega a responsabilidade da mulher na proteção da sua família, sem o devido amparo do Estado.

O futuro do Brasil é a velhice! E o que o Brasil precisa é de políticas públicas para atender seus cidadãos idosos.

Se tivéssemos no território nacional, a partir dos entes federados, União, Estados, Distrito Federal e dos 5.570 municípios a efetiva implantação do que já está previsto no marco legal, incluído o Estatuto do Idoso, já seria um grande avanço. Precisamos sim, de políticas de Estado para as pessoas idosas e não políticas de governo que podem se equivocar, inclusive quanto a autonomia das pessoas idosas, que podem desejar morar ou não como suas famílias.

Por um Brasil que reconheça a velhice como conquista social da humanidade. Envelhecer com dignidade, direito humano fundamental.

*Marília Viana Berzins é doutora em Saúde Pública, mestre em Gerontologia Social e presidente do OLHE.