Velha surda é a mãe!

É difícil a interação de deficientes auditivos com as pessoas. Minha mãe perdeu completamente a audição e só consegue ouvir (e pouco) graças à tecnologia de um aparelho auditivo. O processo, porém, não foi repentino e teve início há mais de duas décadas, desencadeado por um zumbido diagnosticado como labirintite.  Ela demorou a buscar ajuda e até hoje sofre as consequências físicas e a falta de compreensão da própria família.

Há dias em que rimos com as situações dessa deficiência dela. Afinal, quem não se lembra da personagem icônica da televisão brasileira criada pelo humorista Roni Rios. O quadro baseado nas incompreensões e entendimentos equivocados da Velha Surda na interação com seu amigo Apolônio.  Mas confesso que há outros em que eu e meu pai perdemos a paciência.

Ela, porém, não é a única a passar tais dificuldades: existem mais de 15 milhões de pessoas no Brasil na mesma situação, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Segundo o médico Jamal Sobhi Azzam, especialista em Otorrinolaringologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, –membro titular da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial (Aborl-CCF) –, embora exista um forte componente hereditário, principalmente nos homens, todos estão sujeitos a perder lentamente a audição, especialmente após os 60 anos de idade.  “As perdas acontecem por uma degeneração natural das células auditivas e constituem parte do envelhecimento natural”, afirma.

Estudos mostram uma prevalência de perdas auditivas em percentuais em torno de 60 % nos indivíduos acima de 60 anos, e superior a 70 % acima dos 65 anos. Mas o problema é mundial e o ruído das cidades vai tornando a população surda progressivamente. Isso porque qualquer barulho acima de 85 decibéis é prejudicial à saúde, segundo a OMS. Um quadro que leva a traumas imperceptíveis até aparecer o popular zumbido.

De acordo com a Sociedade Brasileira de Otologia (SBO), entre 15% e 20% dos brasileiros têm zumbido, sintoma que indica perda auditiva. Destes, apenas 15% se sentem incomodados com o barulho e procuram ajuda médica. A entidade também aponta que cerca de 30% a 35% das perdas de audição são creditadas à exposição a sons intensos.

Para se prevenir, a saída é evitar sempre ambientes muito ruidosos. É bom também ter cuidados com o uso excessivo de fones de ouvidos em níveis altos e ter atenção aos protetores auditivos no caso de ambiente profissional que exige a medida protetiva.  Azzam destaca ainda que é fundamental que todas as crianças realizem ao menos uma audiometria (que é o teste da audição) a partir dos 4 anos, além de todos os adultos a partir de 60 anos.

“Se diagnosticada cedo e a depender da causa, existem vários tratamentos.  Mesmo que não se consiga curar, pode-se amenizar ou compensar a perda natural”, diz o médico para o qual as  novas tecnologias ajudam muito nesse processo.

Isso porque os aparelhos de amplificação sonora individual estão muito avançados e estão cada vez são menores e mais discretos. “Existem vários canais de financiamento de compra dos aparelhos auditivos pelos bancos públicos, a juros muitíssimo baixos, mesmo para os que não são correntistas”.

O mais importante, destaca o médico, é  jamais criticar ou denegrir quem não escuta bem.  Perda auditiva é um tipo de deficiência física e é preciso entender isso e parar de se irritar com quem não escuta.

Como identificar a sua deficiência auditiva:

  1. Não conseguir mais entender direito o que a outra pessoa diz.
  2. Achar que o outro está falando muito baixo.
  3. Necessidade de aumentar o som da TV ou rádio porque acha que está muito baixo o volume.
  4. Dar respostas erradas porque não entendeu nada do que a outra pessoa disse.
  5. Pedir para repetir com muita frequência o que a outra pessoa acabou de falar várias vezes.
  6. Não conseguir ouvir sons que todo mundo da sua casa consegue ouvir.
  7. Surgimento de zumbido no ouvido.
  8. Ouvir, mas não entender o que as pessoas falam.
  9. Se isolar por que não escuta mais nada do que as pessoas falam.

FONTE: SBO e ABORL-CCF

Um jovem país de cabelos grisalhos

O rótulo de país de jovens não cabe mais ao Brasil, que vem se transformando num jovem país de cabelos grisalhos. Segundo as estatísticas, caminhamos rapidamente rumo a um perfil demográfico cada vez mais envelhecido.  A mudança se dá em razão da queda da mortalidade infantil, aumento da expectativa de vida e uma redução da taxa de fecundidade. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) dão conta que em 2025 o Brasil será o sexto do mundo com o maior número de pessoas mais velhas. E falta menos de uma década para 2025. Diante dessa realidade, será que estamos preparados para lidar com as questões da longevidade?

Reeducação

Quando os problemas ambientais vieram à tona, toda a sociedade teve de passar por uma reeducação que a levou a rever seu comportamento. De lá para cá, o entendimento do ciclo de vida de um produto faz parte do cotidiano das mais diversas gerações, que entenderam a preservação do meio ambiente como algo essencial para o futuro do planeta. O desafio agora é modificar a compreensão sobre o ciclo da vida humana para ressignificar a longevidade, um fenômeno inédito para os brasileiros.

“Tudo é muito novo e demanda uma mudança cultural até do próprio idoso. É preciso não só entender, mas viver o envelhecimento com naturalidade”, diz Simone Jardim, embaixadora da Aging 2.0.

A Aging 2.0 é uma organização global, com sede em São Francisco, nos Estados Unidos, que promove o fortalecimento de startups focadas em produtos e serviços inovadores para o público 50+. No Brasil, há duas representações desse ecossistema de negócios, chamados capítulos: o de São Paulo e o do Rio de Janeiro.

Aceitação

Simone destaca que o Brasil é um país que ainda não aceita rugas e segue um padrão de beleza juvenil. Não à toa, chegou a liderar o ranking de cirurgias plásticas, à frente dos Estados Unidos, puxado pelas intervenções estéticas.  “O preconceito tem de acabar e a sociedade precisa entender quais questionamentos devem ser feitos diante da diversidade cultural da população para desenvolver políticas públicas eficientes”, avalia. “A velhice não é homogênea”.

Sinal disso vem do empreendedor Antônio Vilmar Stachuk. Dono de um café numa badalada academia de São Paulo, Tony, como é conhecido, tem 56 anos, é homossexual e mora sozinho. Gosta de ir ao teatro, de beber cerveja e tem muitos sonhos, entre os quais viajar pelo mundo.  Os planos, porém, são sempre adiados, pois o trabalho consome tempo integral, das 6h às 22h, inclusive aos sábados. Nem por isso pensa em se aposentar. “É graças a esse corre-corre que mantenho a alegria de viver”, conta.

Pensamento semelhante tem o engenheiro Mário Solari. Aos 60 anos e recém-aposentado, nem sonha em parar. E é justamente para atender pessoas como Tony que vem se dedicando ao projeto Idade Livre, uma startup voltada para o turismo na maturidade. A decisão conta com apoio de toda a família e a animação não passa despercebida quando ele conta os planos para os próximos 30 anos.

“O turismo é uma consequência da busca pelo bem estar”, explica o novo empreendedor, que cursa pós-graduação em Marketing Digital. “Quem se considera idoso aos 60 vive em outra época”.

Não é o que sentiu na pele a jornalista Denise Ribeiro. Embora não revele a idade, ela experimentou o preconceito no mercado de trabalho ao passar dos 50 e se ver descartada pelas empresas de comunicação, que costumam priorizar os jovens. “Eu tenho um excelente histórico profissional, mas ele não é levado em conta”, avalia. “Tenho a sensação de estar numa arca de Noé de humanos, cercada de clichês por todos os lados”, reclama.

Individualidade

Essas histórias de vida indicam que é preciso levar em conta que nem todos os idosos querem pular de paraquedas. E nem todos os idosos desejam se aposentar ou passar o restante de suas vidas tricotando ou jogando dominó numa praça. “Há de se chegar a alternativas para todos os anseios”, diz a gerontóloga Marília Berzins, doutora em Saúde Pública e presidente do Observatório da Longevidade Humana e Envelhecimento (OLHE).

Para ela, o Brasil ainda não dá a devida atenção à questão do envelhecimento. “Não há políticas públicas estabelecidas, o mercado não leva em conta as reais necessidades da maturidade e os idosos não protagonizam a própria causa, que é o envelhecimento, uma das maiores conquistas da história recente da humanidade”.

Mercado em expansão

Trata-se, destaca Marília, de um segmento expressivo, representando hoje  algo em torno de 13% do total da população brasileira e 17,9% do eleitorado. Entretanto, as questões que envolvem o envelhecimento e suas implicações não estão pautadas nas agendais eleitorais de nenhuma esfera.  “Temos um marco legal bastante avançado, mas na prática temos a escassez e ausência dos serviços garantidos por esses instrumentos. É um Brasil legal distante do Brasil real”.

Essa ausência do compromisso político com as questões da maturidade reflete o pensamento social em relação ao envelhecimento, ainda fundamentado em mitos e preconceitos.  “O jovem sempre é prioridade e enquanto não se romper esses padrões dominantes não haverá avanços na construção de uma sociedade para todas as idades”.

Apesar de algumas conquistas como o Estatuto do Idoso, a complexidade de lidar com a maturidade ainda padece de males crônicos como abandono, violência e preconceito. Não é preciso procurar muito para encontrar idosos em situação vulnerável, como seu Aurélio Mei, de 81 anos, hoje morador do Lar dos Velhinhos de Campinas (SP).

Ele morou com a irmã até sua morte, quando a sobrinha o convidou para continuar com a família. Ao completar 80 anos, sendo 60 deles trabalhando, decidiu vender sua banca de frutas no centro da cidade e buscar outra ocupação. Foi quando teve todo seu dinheiro roubado pela sobrinha, com quem mantinha uma conta conjunta. “Estou há um ano aqui no Lar, cuido da horta e estou muito feliz”, conta. “O importante é ocupar a cabeça com algum tipo de atividade”.

Etarismo

Algo nem sempre permitido por pura discriminação. E discriminar pessoas como seu Aurélio ou qualquer grupo etário tem um nome: etarismo. Um problema muito frequente no mercado de trabalho.

Experiência da seguradora Mondial Assistance mostra que há preconceito evidente até mesmo entre os idosos.  A empresa contratou 40 pessoas mais velhas e passou por uma saia justa para resolver conflitos entre mulheres que nunca tinham trabalhado dentro do próprio grupo.

Para amenizar questões desse naipe o empresário Nilton Molina idealizou o Instituto de Longevidade Mongeral Aegon. O objetivo é contribuir com ações concretas, especialmente na área do trabalho, de cidades e mobilização social, para colocar a questão da longevidade na agenda de desenvolvimento da sociedade brasileira e propor soluções em torno dos seus impactos sociais e econômicos.

Muito além da Previdência

“Trata-se de uma parcela da população vista ainda como um fardo para a economia. Foi o déficit na Previdência Social que despertou o Brasil para questões relacionadas ao envelhecimento”, diz Molina.

Foi a partir do instituto que surgiu o Movimento Real Idade, que reúne apoiadores de todos os segmentos da sociedade e do governo, em torno do tema, a fim de discutir a rápida mudança demográfica no Brasil e aprofundar a percepção das oportunidades e desafios provocados por esse processo.

São duas as propostas encabeçadas pelo movimento. A primeira é a requalificação e reinserção dos profissionais com mais de 50 anos no mercado de trabalho, por meio da implantação do Regime Especial de Trabalho do Aposentado (RETA), que prevê incentivos fiscais e tributários a empresas que contratarem pessoas nessa faixa etária.

O RETA é comparado à Lei de Estágio, prevendo relações trabalhistas mais flexíveis e incentivos para empresas que contratarem profissionais aposentados e com mais de 60 anos, projeto que está em linha com o Estatuto do Idoso. A redação do projeto de lei é dos professores Hélio Zylberstajn, da FEA, e Nelson Mannrich, da Faculdade de Direito da USP.

Outra medida é a criação do Índice Real Idade de Longevidade, projeto que destacará anualmente as cidades brasileiras mais bem preparadas para atender as necessidades de suas comunidades, cada vez mais longevas. A iniciativa tem assinatura do pesquisador Wesley Mendes da Silva, do Instituto de Finanças da FGV/SP.  “Reunimos mais de 80 indicadores de 500 cidades brasileiras”, conta Molina.

Ele destaca que o grande vetor para a largada do instituto foi uma pesquisa do Data Popular sobre a renda média dos brasileiros com 50 anos ou mais, que está 40% acima da renda média nacional. É um público que movimenta em torno de R$ 1,58 trilhão, equivalente ao consumo de duas Holandas.  “Mesmo assim, além da indústria da doença, não se vê nenhuma outra investindo em produtos específicos”, diz.

O Movimento Real Idade se assemelha à plataforma da Associação Americana dos Aposentados (AARP), uma organização sem fins lucrativos, apartidária, composta por sócios, que ajuda pessoas acima de 50 anos ou mais a melhorar sua qualidade de vida.

A AARP atua com serviços comunitários via Fundação e por meio de doações. Atua ainda em publicações, pesquisas, eventos, produtos e serviços, em que se arrecadam os recursos para sua sustentabilidade, além de anúncios em seu portal. Cada sócio paga cerca de US$ 20 ao ano e tem direito aos benefícios que a associação oferece, como cartões de crédito.

Empreendedor na maturidade

Mas o Movimento Real Idade não é o único que surge nesse caminho. A Rede Lab 60+ é outra que propõe respostas positivas e inovadoras para a longevidade.

Trata-se de um ecossistema de negócios inovadores com foco em produtos e serviços pensados especialmente para atender às expectativas dos consumidores de idade mais avançada. A proposta é transformar as visões estereotipadas que a sociedade brasileira ainda tem sobre as pessoas mais maduras, como considerá-las “velhas” demais para atuar no mercado de trabalho ou iniciar um negócio próprio, praticar esportes radicais ou voltar á sala de aula.

“É um espaço que fomenta a conexão da diversidade, seja intergeracional ou setorial, na busca de soluções coletivas para as questões trazidas pelo envelhecimento”, define o empreendedor Sérgio Serapião, idealizador do coletivo. “Dessa forma também cidadãos vivenciam e ressignificam essa etapa da vida”.

Pensamento disruptivo

Com a mesma pegada nasceu o Maturity Now. Um movimento em rede aberta para conectar agentes transformadores da maturidade, empoderada, empreendedora e com propósito de gerar mudanças na sociedade, conforme descreve Max Nolan Shen, idealizador do Maturity Now. “A ideia é criar novas soluções de produtos e serviços por meio do empreendedorismo na maturidade”.

Além do foco na maturidade, iniciativas como o Maturity Now, o Lab 60+ e o Aging 2.0 têm em comum a aposta no pensamento disruptivo e na atuação por meio de parcerias estratégicas. Seus protagonistas perceberam que fazer mais com mais idade, permite não só rever conceitos, mas colocar em prática alternativas mais eficazes para lidar com o crescimento exponencial e as necessidades complexas da população idosa que hoje alcança países ricos e emergentes.

Sinal de que iniciativas como essas são bem vindas, bem vistas e têm contribuído para a sociedade vêm da Virada da Maturidade, que chega a sua quarta edição depois de público 10 mil pessoas em 2015.  O evento contará com uma agenda de atividades que acontecem simultaneamente em vários pontos de São Paulo, e que trazem discussões especialmente planejadas para destacar os desafios e as oportunidades da longevidade.

Idealizada pelos psicólogos Fernanda Gouveia e Fernando Seacero, a expectativa agora é dobrar o número de participantes para 20 mil pessoas. “O objetivo é que a Virada se torne um movimento de valorização da pessoa idosa e que mobilize, a cada ano, mais pessoas e instituições para refletirem sobre a preparação da nossa sociedade para o envelhecimento”, diz Fernanda, que busca parceiros que compartilhem dos mesmos pressupostos e que queiram integrar o movimento.

Segundo Fernanda, em 2015, inicialmente, foi um desafio promover ações em que as pessoas ‘50+’ aparecessem de forma ativa, porém, em seguida, o  desenvolvimento do projeto foi inspirador. “Mostramos que o idoso pode ser protagonista de sua vida e divulgamos alternativas que oferecem oportunidades variadas”.

Ao ouvir um depoimento de um idoso ou uma história de vida, por exemplo, o público – seja lá de qual geração for – é tocado de maneira direta.  Apresentar as atividades nesse modelo traz um efeito muito mais significativo do que apenas falar sobre o potencial e a sabedoria dos idosos. A Virada da Maturidade quer mobilizar e gerar reflexão, causar impacto e surpreender. “Está funcionando”, afirma Fernanda.

Texto originalmente publicado na Revista Problemas Brasileiros.